sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Os "pobres", os "miseráveis", o "governo" e os "novos problemas sociais": algumas pérolas"

O comentário do jornalista Luiz Carlos Prates da RBS (Globo) continua repercutindo, confira e comente.



Declarações como estas me lembram antigos personagens como o "Justo Veríssimo", assista o vídeo da MTV:


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A complexidade do mapa das eleições presidenciais

O mapa "das eleições presidenciais" apresentado pela mídia não foi muito "feliz" pois dá a entender a existência de um Brasil dividido em duas partes aparentemente homogêneas. Teríamos um Brasil "bicolor" Observe, abaixo, como ficam as cores quando consideramos as proporções dos votos em cada estado. A ilustração foi desenvolvida pelo deisgner Bruno O. Barros. Vale a pena conferir:


Disponível em: http://ilustrebob.com.br/2010/11/o-brasil-nao-e-bicolor/


Este mapa ilustra  melhor a complexidade da disputa eleitoral. É necessário ir além de interpretações tendenciosas que distorcem os fatos estimulam preconceitos e posturas anti-democráticas.

Marcelo Cernev

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sala, copa e cozinha

Reproduzo o texto de Michel Blanco sobre as manifestações absurdas ocorridas no Twitter:



Uma jovem estudante de Direito, desalentada com a vitória da petista Dilma Rousseff, ganhou fama ao clamar no Twitter o afogamento de nordestinos em benefício de São Paulo. O ódio da moça brotou em meio a uma campanha difamatória que irrigou expedientes eleitoreiros. Se na TV o marketing cuidou de dar boa aparência aos candidatos, na internet a coisa foi feia. Levante a mão quem não recebeu um único spam desqualificando os votos da população assistida pelo Bolsa Família. Sobre tal corrente, a psicanalista Maria Rita Keh disse o que tinha de ser dito – e foi punida por isso. Assim estávamos na campanha…
A xenofobia da estudante paulista, no entanto, não é retrato das tensões do momento. É uma fotografia embolorada, guardada num fundo de armário, agora trazida à tona. Quem triscou fogo nos spams sabia que o ódio fermentava. Bastava uma faísca. Se tiver estômago, pode ler uma coletânea de tweets odientos — e odiosos — no Diga não à Xenofobia. A menina não está só.
A maioria dessas mensagens parte de jovens de mais ou menos 25 anos. O que leva a supor que muitos deem vazão a preconceitos ruminados à hora do jantar em família, da festinha do sobrinho ou do churrasco da faculdade. Está aí boa parte da festejada geração da internet, que confunde vida real com a vida em rede, mas se sente imune às consequências de atos online. Mostram os dentes no Twitter como se estivessem a salvo da luz do dia, como se não fosse dar nada. Mas deu, mano.
A moça que gostaria de afogar um nordestino em São Paulo acabou ela mesma por submergir. Deletou seu perfil ante a repercussão do caso, que lhe rendeu a protocolação de uma notícia-crime pela OAB de Pernambuco no Ministério Público Federal em São Paulo. O escritório de advocacia onde estagiava apressou-se em dizer que ela não despacha mais por lá. O caso foi parar até nas páginas do britânico Telegraph. Vários outros “bacanas” seguiram os passos da menina e desapareceram do Twitter. Talvez arrependidos do um ato impensado, da ausência completa de reflexão ou, mais provável, da ameaça de punição legal. Quem sabe ainda há tempo para deixar as trevas.
Ironicamente, o aguardado uso da internet nas eleições ajudou a liberar o que há de mais retrógrado entre nós (embora o poder transformador da rede esteja muito além disso). Parecemos recuar 50 anos em relação a direitos civis. Houve até o retorno de mortos-vivos, grupos pouco representativos e de triste memória. Não bastasse o proselitismo religioso, a ação das militâncias, oficiais e oficiosas, a campanha na internet descambou para baixaria geral. Conhecido o resultado da eleição presidencial, viria o pior: o insulto aos eleitores, desclassificando-os.
Enfim, é uma questão de classe; não de compostura. Uma parte dos jovens que se julgam classe A levantou-se da sala de jantar para reinstaurar a separação da copa e da cozinha, sem se dar conta de que a divisão dos cômodos já não é tão sólida. O que move tanto ódio? Passionalidade do clima eleitoral não é o suficiente.
Nunca na história deste país (tá, essa foi só para provocar) se falou tanto em classes C e D e E. Estão todos os dias na imprensa; chamam atenção pelo crescente poder de consumo. E é a isto que a noção de classes parece se resumir hoje: consumo. Talvez esteja aí a raiva dessa moçada, muito mais identificada com bens do que com valores.
Identificar-se por aquilo que se consome pressupõe um sentimento de exclusividade. “Eu tô dentro e eles, fora”. Uma concepção de vida alimentada e também confrontada pela massificação do consumo. A tensão desponta quando “eles”, os esfarrapados, começam a ter o que “eu” tenho. A exclusividade mingua, e o povão chega chegando, sentando ao seu lado no avião. É preciso descolar novos meios para diferenciar uns dos outros. A desqualificação é um deles.
Um dos legados desta eleição embalada por baixarias é uma tensão que parece escapar da acomodação sobre a imagem construída pelo mito fundador nacional. Descobrimos um pensamento ultra-conservador no Brasil, e ele pôs a cabeça para fora. Seria um exagero, no entanto, dizer que o país está dividido. Mas é igualmente um equívoco considerar que a identidade nacional sai ilesa – por definição, ela é lacunar, ao pressupor a relação com o outro. O que queremos de nós mesmos?
Mas na cabeça dessa moçada raivosa, nada disso seria necessário, e a harmonia se restabeleceria desde que todos estivessem nos lugares “certos”. Assim, estão prontos para experimentar o que consideram desenvolvimento e mal esperam a ocasião para pôr à mesa de alguma congregação do Tea Party uma iguaria nacional: uma saborosa broa de milho feita pela mãos da preta dócil que serve a casa.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O derrotado tresloucado


Prezados leitores, transcrevo abaixo a análise do filósofo Paulo Guiraldelli Junior sobre a postura de Serra nas eleições presidenciais de 2010 e sobre seu discurso posterior à derrota nas urnas:


O PSDB se revelou um partido que não sabe vencer, mas, pior ainda, um partido que não sabe perder. Por isso, seu candidato foi José Serra, símbolo dessas duas más qualidades.

Serra perdeu para uma desconhecida na política, Dilma Roussef. Assim ocorreu porque não conseguiu desenvolver uma campanha capaz de mostrar aos pobres que eles não iriam perder o que ganharam no governo Lula. Ele achou que poderia contrabalançar isso com um estranho cacife. Apostou num cacife inexistente, o de ser o paladino da proteção da democracia diante de um governo de esquerda que estaria arquitetando algo contra as instituições republicanas. Serra se viu herói de uma história inventada por uma história com fundo real, mas que se transformou em uma paranóia de seus aliados na imprensa – em especial os jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Grupo Abril (revista Veja). Ele levou até o fim uma campanha na qual ele queria aparecer como o defensor da liberdade, enquanto que Dilma seria apenas a defensora da igualdade.

Serra não perdeu porque os brasileiros querem antes a igualdade que a liberdade, mas porque o fato dele ser um defensor da liberdade nada era senão uma mentira. Serra bateu em professores grevistas, administrou o funcionalismo público sem ouvir outros e sempre num grupo tecnocrático fechado, não ficou imune a ataques de corrupção, negociou com a imprensa favores para além do que um autêntico republicano poderia fazer e, enfim, não percebeu que, para os pobres, a liberdade aparece quando a igualdade aumenta.

Entender que ele não percebeu tudo isso é fácil. Esse seu não entendimento ficou claro em seu discurso após o anúncio de Dilma como presidente. Seu discurso de derrotado foi esquisito. Ao invés de cumprimentar Dilma e propor um governo de união, como ele vinha fazendo e como é a praxe, ele desafiou a nova governante e mostrou-se ambicioso, querendo disputar uma terceira vez – ignorando que Aécio Neves e o próprio Alckmin vão tomá-lo como aposentado já na segunda feira. Em meio ao seu discurso, apareceu nitidamente sua estranha imagem de si mesmo, a de ser um paladino da democracia. Pois insistiu que faria oposição exatamente nesse quesito, o de proteger as liberdades individuais e liberdade de expressão e coisas afins. Ele realmente acreditou na mentira dos jornalistas de direita que, na imprensa citada, mentem para si mesmos querendo o título de liberais (os Neumanes e Reinaldos de Azevedo da vida). Particularmente, nunca vi um candidato com um traço doentio tão forte, incapaz de perceber sua real dimensão na política.

Todos nós sabemos que há traços autoritários no PT, inclusive meio que ligados a certa imbecilidade dogmática – já escrevi isso aqui com detalhes para além do que muita gente de esquerda ousa dizer. Além disso, nossa percepção de que o próprio Lula prejudicou a vida democrática interna do PT, é uma verdade. Mas, o que Serra não percebeu é que ele não era o tal paladino da liberdade que poderia representar, com legitimidade, aqueles eleitores motivados pelo simples valor da democracia. Isso é que é incrível! Serra realmente acreditou na mentira criada a respeito de si mesmo.

Pensando assim, e analisando o discurso estabanado de Serra ao ser derrotado, não há dúvida que o cheque em branco da população para Lula, votando em Dilma, por incrível que pareça, foi o que se podia fazer de mais ajuizado. E foi feito. Era o que dizíamos, neste blog, que tinha tudo para acontecer. E aconteceu. O Brasil está livre de uma pessoa com visível traço doentio. Deus é brasileiro.


Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, escritor e professor da UFRRJ